Para marcar o Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra (20), o Conselho Regional de Medicina Veterinária do Estado da Bahia (CRMV/BA) realizou uma conversa-show com duas profissionais inspiradoras: a médica-veterinária Uilma Carla Carneiro e a zootecnista Luna Analia. A manhã de 19 de novembro de 2024 foi preenchida por falas importantes sobre a necessidade de representatividade e encorajamento para profissionais negros na área da saúde animal, humana e ambiental.
Conduzida pelo presidente do Regional, médico-veterinário Altair Santana, a conversa-show apresentou para o público duas profissionais compromissadas com o empoderamento do povo negro, com a educação que incorpore as conquistas e os referenciais negros, e que amplie o acesso ao conhecimento para todos e todas. “Foi um momento importante para conhecermos as histórias de vida de duas mulheres que já são referências para novos profissionais e para nós”, afirmou Santana.
As experiências contadas pelas duas profissionais envolvem a importância dos ensinamentos e do fortalecimento na família. “O caminho para mim como uma pessoa negra e mulher é muito mais difícil e mais tortuoso”, relatou a médica-veterinária Uilma Carla Carneiro. “Não lembro de quando eu era criança ter ouvido algo sobre minha ancestralidade na escola, eu cresci sem conhecer. Comecei a conhecer por meus pais, em especial meu pai. Meu pai me colocava em determinadas situações quando eu era criança para ver como eu iria reagir e para que eu pudesse aprender. Eu não entendia, mas hoje eu vejo o trabalho que ele fez”, contou.
Em seu relato, a médica-veterinária disse ter começado a compreender desde cedo que precisava ser a melhor, mostrar-se como a melhor, para poder ser notada e conseguir se estabelecer no mercado de trabalho. “Minha qualidade técnica não está na minha cor, não está na textura do meu cabelo, mas ainda assim vivenciamos isso de uma forma muito intensa”, disse. “Tem três pilares que a gente precisa sempre ter em mente: a questão do encorajamento, a determinação e o posicionamento para seguir em frente. Eu sei quem eu sou. Acho minha cor de pele linda de verdade, não tenho nenhum tipo de problema com isso, mas nem todos tiveram a oportunidade de crescer com esse tipo de entendimento sobre si. Vejo pessoas negras que acabam se autodiminuindo por conta de cor de pele e do cabelo, justamente pela forma como ela cresceu e foi trabalhada quando criança”, declarou.
A zootecnista Luna Analia também trouxe em suas lembranças de vida a importância dos ensinamentos de seus pais e de seus irmãos como maiores referências. “Um dos principais desafios que eu vivenciei na minha época de graduação foi não me ver representada. Por muitas vezes, esses momentos me faziam não me sentir pertencente àquele lugar, mas ao longo do tempo, muito por minha base familiar também, meus pais sempre me ensinaram a ter consciência racial, desde muito pequena, isso sempre foi pauta de conversa na minha casa e eu acabei lendo sobre isso e conhecendo representantes da cultura negra para que cada vez mais eu conseguisse me empoderar como mulher, como estudante e como cientista”, contou Luna.
Educação de futuro
Uilma Carla relatou que quando se formou no município baiano de Feira de Santana, sempre teve na cabeça a ideia de devolver para a sociedade um pouco do que ela conseguiu. “Eu entendia que eu precisava fazer algo por alguém que na maioria das vezes acabava sendo invisível, porque na maioria das vezes eu me sentia invisível perante a sociedade, era como se as pessoas não me enxergassem. Por isso, eu montei a minha clínica em um bairro periférico de Feira, justamente para tentar fazer diferença naquele meio e dar oportunidade para as pessoas que tinham seus cães e seus gatos a terem um atendimento de qualidade também”, disse.
Hoje, Uilma Carla é professora e médica-veterinária atuante na área de clínica geral e atendimentos direcionados a hematologia e terapia celular voltada para pequenos animais, CEO do Centro Veterinário de Especialidades, Diagnóstico e Hemoterapia da Bahia (Hemopet), e do Reciclavet, empresa voltada para área de educação continuada de médicos-veterinários formados e em formação. Além disso, ela é conselheira recém-eleita para o triênio 2025-2028 no CRMV/BA e presidente da Associação dos Médicos Veterinários de Feira de Santana e Região (Asmev). “O sonho que eu tenho como mulher negra e empreendedora é servir de exemplo e trazer o máximo possível de representatividade para os meus”, afirmou.
Na mesma vibração e compromisso com a ciência, educação e ampliação da representatividade para novos profissionais negros que vão entrar no mercado de trabalho, Luna Analia atribui também ao esforço e à dedicação em buscar mais conhecimento, e, principalmente, compartilhar conhecimento, a sua caminhada de sucesso. “Eu ainda estou no início da minha caminhada de sucesso. Cada vez mais eu me dedico e me esforço para que eu consiga ser a representante de vários jovens negros que estão entrando na Universidade Federal da Bahia (Ufba)”, disse.
Os projetos da zootecnista, que é mestra em nutrição de cães e gatos pela Ufba, pesquisadora em nutrição animal e empreendedora, são principalmente ligados às redes sociais, de construção de workshops, e-books e cursos. “Eu falo para os profissionais que querem se especializar em nutrição, mas também para aqueles que precisam entender melhor sobre nutrição e levar um atendimento mais qualificado para os tutores de pet. Meu empreendedorismo está bastante ligado às redes sociais e foi essa dinâmica de perceber que o meu conhecimento poderia favorecer muitas outras pessoas e levar mais qualificação tanto a profissionais como a estudantes também de Medicina Veterinária e de Zootecnia, o que me motivou”, contou.
Temas relevantes como a importância das cotas para negros nas universidades, reparação histórica, a baixa diversidade racial entre professores nas escolas de Medicina Veterinária e Zootecnia, questões de gênero, principalmente relacionadas à mulheres pretas nesse mercado de trabalho, dentre outros assuntos, foram abordados durante o papo com o presidente do CRMV/BA e com o público. O evento foi encerrado após a participação dos presentes, com muitos aplausos e com o reconhecimento de todos e de todas às duas profissionais que dão uma grande contribuição para as classes e para o empoderamento do povo preto da Bahia.
Edições anteriores
Este foi o quarto ano do Novembro Negro no CRMV/BA, evento que agrega conhecimento ao Regional Bahia e recebe autoridades quando o assunto é negritude e mercado de trabalho. Nas duas primeiras edições, foram publicados textos e vídeos sobre experiências de racismo enfrentadas por médicos-veterinários negros durante a graduação e no mercado, com o apoio do Afrovet, grupo de médicos-veterinários negros em prol de uma área mais inclusiva.
Já na terceira edição, uma conversa-show com o médico-veterinário Osvalrízio do Espírito Santo, presidente do Sindicato dos Médicos-Veterinários do Estado da Bahia (Sindmev), apresentou ao público um profissional de trajetória rica, compromissada com a luta contra preconceitos, em favor da educação dos não-negros contra o racismo e pelo empoderamento do povo preto, além de apresentar toda a sua experiência técnica no âmbito da Medicina Veterinária.
A próxima edição do Novembro Negro já começa a ser planejada, assim como eventos ao longo de 2025 que vão tratar de inclusão, diversidade e questões da negritude, envolvendo ativamente a diretoria recém-eleita para o novo triênio no CRMV/BA.
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