A importância da atuação do médico veterinário em trabalhos de licenciamento ambiental
9 de outubro de 2017
A Comissão Estadual de Animais Selvagens (CEAS) do Conselho Regional de Medicina Veterinária do Estado da Bahia (CRMV-BA), conversou com quatro médicos veterinários sobre suas experiências nas atividades de resgate/salvamento de fauna em trabalhos de licenciamento ambiental, veja:
Sobre o trabalho de resgate
O resgate de fauna é uma atividade geralmente prevista em condicionantes ambientais, em atividades de remoção ou perda de cobertura vegetal do solo, que implicam em riscos de acidente e/ou morte de animais. Sua obrigatoriedade é determinada pelos Órgãos Ambientais competentes, durante o processo de licenciamento ambiental da atividade, visando atenuar o impacto negativo no meio ambiente da implantação de linha de ductos, linha de transmissão, ferrovias, rodovias, usinas hidrelétricas, dentre outros.
Os critérios e procedimentos relativos à fauna no licenciamento ambiental estão estabelecidos na Instrução Normativa n° 146/2007, do Instituto do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) – no âmbito federal, e na Instrução Normativa n° 001/2016, do Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (INEMA) – no âmbito estadual.
Para realizar o resgate/salvamento são contratadas equipes com biólogos e médicos veterinários que fazem um levantamento prévio da área preparando um plano de ação que é analisado pelo órgão ambiental licenciador.
Como a fauna encontra-se sob riscos durante as atividades de supressão e/ou limpeza de vegetação, enchimento de barragens para implantação de Hidrelétricas e outras atividades que possam gerar dano à vida, o(a) médico (a) veterinário (a) é um profissional requisitado para o serviço, uma vez que a clínica de animais é atividade privativa do veterinário e regulamentada na Lei n° 5.517/1968.
Coragem e conhecimento
Entre os quatro profissionais, três estão formados há pelo menos 7 anos e entre eles, apenas o MV Ricardo Batista Almeida, graduado pela Universidade Estadual de Santa Cruz, tinha o propósito de trabalhar na área de silvestres ao começar o curso.
O MV José Neto (segurando um réptil na foto), pós-graduado em clinica e cirurgia de animais silvestre e exóticos mantidos como pet´s-Quallitas destaca que, em primeiro lugar, o médico veterinário precisa gostar da atividade de resgate de fauna, sendo importante também possuir as habilidades de trabalho em equipe, gerenciamento e delegações de funções e, acima de tudo, saber trabalhar sob pressão. O MV Marcio Andrade, mestrando em Ciência Animal nos Trópicos, destaca que, além da necessidade de saber trabalhar em equipe, é necessário proatividade.
Os atributos técnicos são destacados pela MV Marina Pessoa, Mestre em Saúde Animal pela Universidade Nacional de Brasília – UNB e Pós Graduada em Clinica Médica e Cirúrgica de Animais Selvagens e Exóticos – Quallitas. Ela cita a necessidade de experiência na área de biologia e manejo de animais silvestres, com conhecimentos de técnicas de contenções física e química de animais silvestres.
Para o MV Ricardo Almeida o profissional também deve saber como manejar espécimes da fauna, inclusive os peçonhentos. O profissional precisa ter uma boa aptidão física e mental, por estar exposto ao sol e a ambientes naturais, ter disposição para viajar, alojar-se em moradias coletivas, lidar com o risco de acidentes com máquinas e, inclusive, com abelhas.
Remuneração e vivência são compensadoras
As oportunidades de trabalho geralmente surgem quando os estudantes estão procurando estágios na área, durante a graduação, como aconteceu com
a MV Marina Pessoa (na foto acima que registra o momento da soltura de um tatu após o tratamento veterinário) e o MV Marcio Andrade, ou por indicação de colegas que já estão atuando na área, como aconteceu com o MV José Neto e o MV Ricardo Almeida. O MV José Neto falou sobre a sua primeira experiência de forma bem humorada: “estava trabalhando 44 horas semanais, mais um plantão de 24 horas nos finais de semana […]. Daí, um amigo meu me liga e pergunta – está disposto a largar tudo isso e ser remunerado bem? Não pensei duas vezes […]. E quando fui para o novo trabalho, não foi nada que eu esperava – sol, ficar em pé aproximadamente 8 horas por dia, dirigir 2 horas para chegar ao campo e comer marmita. Mas, realmente o salário compensou, as paisagens, a fotografia, os animais novos que só havia conhecido em fotos, o clima e as amizades fizeram valer a pena”.
Animais mais atingidos pela mudança no ambiente
O MV Marcio Andrade (a foto acima registra o momento que ele salvava um lagomorfo) salienta que aqueles animais que não se deslocam rapidamente, ou que ficam atordoados com o processo de supressão da área, como os répteis, anfíbios e alguns mamíferos mais lentos (ouriços e bichos-preguiça), fazem parte do grupo mais afetado no processo, mas isto é variável. Quando questionado sobre qual é o grupo de animais mais afetado o MV RIcardo Almeida explica: “Depende, sendo o número amostral diretamente relacionado com o Bioma trabalhado, período do ano (estação do ano) e o tipo de empreendimento, pois em alguns, além da retirada da vegetação, fazem covas, buracos, tipo em Linhas de Transmissão ou Complexos Eólicos. Por exemplo: em um Resgate realizado em ambiente úmido, região de Mata Atlântica, as espécies mais encontradas, tanto em incidência e prevalência, foram os anfíbios, seguidos dos répteis. Em um outro exemplo, cito a Caatinga, que foi exatamente no início das chuvas e, nesse local, os animais mais registrados foram as aves, pelos ninhos com ovos e ninhegos isolados, presentes na vegetação”.
Entretanto, todos veterinários entrevistados concordam que, entre os grupos afetados, a maior taxa de mortalidade é entre répteis, seres rastejantes, destacando-se os animais que escavam o solo, com hábitos semi-fossoriais e fossoriais, como as anfisbênias, destacadas pelo MV José Neto.
Medicina de guerra
A MV Marina Pessoa evidencia que a falta de infraestrutura adequada para atendimento emergencial da fauna afetada, a pouca informação e importância que o empreendedor mostra em relação aos animais, além da fragilidade da legislação abrangendo a importância e atuação do médico veterinário no resgate de fauna, compõem as principais dificuldades enfrentadas pelo(a) médico(a) veterinário(a) na área.
Esta também é a preocupação do MV Ricardo Almeida (foto acima durante alimentação assistida como parte do manejo de filhotes de aves em um trabalho de resgate de fauna) quando alerta da possibilidade de substituição da presença de um médico veterinário pela prestação de um serviço veterinário por clínicas privadas, conforme previsto na IN no 001/2016, do INEMA. Ele também comenta que animais podem morrer em decorrência do tempo de deslocamento do animal desde o local do acidente até o atendimento necessário, pois o risco de óbito é alto quando os traumas ocorridos são severos, tais como hemorragias, esmagamentos de membros e mutilações. O médico veterinário afirma que “o que fazemos é quase uma ‘medicina de guerra’ só que a serviço dos animais, temos que agir rápido em prol da saúde e bem estar da fauna local”. E ressalta que a atuação da medicina veterinária é mais abrangente do descrito na legislação atualmente em vigor.
Educação ambiental
Para o MV José Neto, sempre haverá necessidade de melhorias para o exercício da profissão do(a) médico(a) veterinário(a) em qualquer setor, pois ”Na Medicina Veterinária para Resgate de Fauna, acho eu, que se fosse uma necessidade obrigatória para todos e qualquer projeto de diagnóstico, monitoramento e resgate de fauna, a presença de um médico veterinário já surtiria efeito, porque, assim, as empresas já se manteriam estruturadas para receber o profissional de uma forma mais adequada e, também, porque o profissional já estaria intimamente inserido no processo”.
O MV Márcio Andrade aponta outra questão: ele acredita que a maior recompensa ao trabalhar como médico(a) veterinário(a) em um Resgate de Fauna, é salvar o máximo de animais possível, além de poder realizar a educação ambiental, conseguindo mudar as formas de pensar e agir das pessoas na região. E o MV Ricardo Almeida ressalta que a sua realização como profissional é desmistificar algumas crendices em relação a animais que são mal vistos, como serpentes e aranhas, demonstrando a importância e as necessidades destes nos ambientes naturais, além de conhecer lugares, culturas e povos que jamais teria a oportunidade de vivenciar. Para o MV José Neto, o momento de soltura de animal recuperado é ímpar e a MV Marina Pessoa destaca: ”Por mais que esse número seja reduzido, um indivíduo pode fazer toda a diferença para evitar a extinção da sua espécie em uma determinada área”.
Desprendimento e CNH B
Para os estudantes e profissionais que se interessam pela área de Resgate de Fauna, a MV Marina Pessoa recomenda buscar novos conhecimentos através de cursos e congressos na área. O MV Marcio Andrade salienta a importância de conhecer sobre manejo e contenção de animais selvagens através de estágios na área, buscar contatos e ser habilitado na categoria B, uma vez que a Carteira Nacional de Habilitação (CNH) geralmente é requisito básico para esse tipo de serviço. O MV José Neto frisa: “Como aprendi com um professor meu, estagiar é o mais importante, saber onde vamos entrar, ter o conhecimento teórico e, também, o prático, para assim saber se realmente é isso que queremos. E claro, ter um pouco de desprendimento de tudo, porque nesse tipo de trabalho normalmente ficamos muito tempo afastados da família, em locais com serviços restritos, vendo sempre as mesmas pessoas e sempre trabalhando muito”.
Comissão Estadual de Animais Selvagens – CRMV-BA:
Méd. Vet. Débora Malta Gomes Silva – CRMV/BA 2377
Méd. Vet. Gerson de Oliveira Norberto – CRMV/BA 1788
Méd. Vet. Alberto Vinicius Dantas Oliveira – CRMV/BA 2304
Méd. Vet. Paulo Roberto Bahiano Ferreira – CRMV/BA 3318
Méd. Vet. Victor Pereira Curvelo – CRMV/BA 3544
Méd. Vet. Leane Souza Queiroz Gondim – CRMV/BA 2844
Méd. Vet. Oberdan Coutinho Nunes – CRMV/BA 2446
Méd. Vet. Ricardo Batista Almeida – CRMV/BA 3438
Méd. Vet. Fernanda de Azevedo Libório – CRMV/BA 3546
Méd. Vet. Lourdes Marina Bezerra Pessoa – CRMV/BA 3471
Méd. Vet. José Pereira Neto – CRMV/BA 3400.
Os entrevistados:
MARCIO DE ALMEIDA COUTO ANDRADE – Médico Veterinário pela Universidade Federal da Bahia. Mestrando no Programa de Pós-Graduação de Ciência Animal nos Trópicos da EMVZ-UFBA. CRMV/BA n° 5018
LOURDES MARINA BEZERRA PESSOA – Médica Veterinária graduada pela Universidade Estadual do Ceará, Mestre em Saúde Animal pela Universidade Nacional de Brasília – UNB e Pós Graduada em Clinica Médica e Cirúrgica de Animais Selvagens e Exóticos – Quallitas e Membro da Comissão Estadual de Animais Selvagens/CRMV-BA. CRMV/BA n° 3471
RICARDO BATISTA ALMEIDA – Médico Veterinário pela Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC) e Membro da Comissão Estadual de Animais Selvagens/CRMV-BA. – CRMV/BA n° 3438
JOSÉ PEREIRA NETO – Médico Veterinário pela Universidade Federal da Bahia , Pós Graduado em Clinica e Cirurgia de Animais Silvestre e Exóticos Mantidos Como Pet´s-Quallitas, e Membro da Comissão Estadual de Animais Selvagens/CRMV-BA. – CRMV/BA n° 3400