11 de julho de 2017-   Por Flávia Tonin

Em recente vista ao Brasil, a norte-americana Temple Grandin, uma das maiores referências mundiais em bem-estar animal, reconheceu a responsabilidade dos médicos veterinários e zootecnistas para a promoção do bem-estar animal. Eleita pela revista Times, em 2010, como uma das cem pessoas mais influentes do mundo, Temple Grandin se destaca por revolucionar o manejo e as instalações de animais nos Estados Unidos, em especial de bovinos.

Entre suas ideias, está o curral em curvas, para que o fluxo de animais seja constante, sem necessidade de agressão para caminharem. O uso da bandeira como guia de bovinos também é parte de seu trabalho.  Por ser autista, ela seguiu por novos caminhos para entender o comportamento animal. Suas constatações na área de manejo e instalações conquistaram o mundo pela forma simplificada como os colocou em prática e a forma que são aplicados no Brasil.

A pesquisadora esteve em Pirassununga (SP) nos dias 4 e 5 de julho para o evento “Na fazenda com Temple Grandin”, promovido pelo Centro de Estudos Comparativos em Saúde, Sustentabilidade e Bem-estar (CECSBE) da Universidade de São Paulo (USP) e coordenado pelo pesquisador Adroaldo José Zanella. Na ocasião, a Assessoria de Comunicação do Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV) apresentou à Grandin a campanha do CFMV para difusão de práticas favoráveis ao bem-estar animal.

Foto: Ascom/CFMV

 

Importância da saúde

Em uma escala de prioridades, ao analisar a participação do médico veterinário no bem-estar animal, Temple enfatiza que “a saúde é o primeiro fator de importância”. E, nesse quesito, apenas o médico veterinário pode avaliar e garantir o bom estado do animal. Em seguida, enumera outros fatores relacionados ao ambiente, como também de manejo e relação com as pessoas.

Com uma visão muito prática, enfatiza que “é preciso medir para que se tenha parâmetros reais e argumentos sobre o grau de bem-estar dos animais”. E repete: “medir, medir, medir”. Essa sugestão baseia-se em sua experiência exitosa na indústria de proteína norte-americana, quando criou padrões com poucas escalas de classificação para avaliar as plantas frigoríficas. Com esses dados, pôde avaliar como era o bem-estar no abate de animais, sugerir ajustes e melhorar as plantas para que pudessem ser fornecedoras para a indústria de alimentos. “Quem não se ajustasse, não poderia ser fornecedor”, lembra. A prova estava em cumprir padrões mínimos.

Temple sugere que o mesmo seja feito nas fazendas. Motivar a medição e mantê-la constante, de forma sistemática, para Temple Grandin, é o segredo para que se consiga evoluir nas questões de bem-estar animal. “Deve-se criar escalas fáceis e práticas para que se avalie o bem-estar animal. E o médico veterinário ou zootecnista pode ensinar o produtor e sua equipe a aplicar os controles”, explica.

Como exemplo, em um manejo de curral de gado de corte, é possível contabilizar o percentual de vocalização, quedas, escorregões etc. Em gado de leite, cita também a claudicação, ou seja, problema causado por lesões nos cascos que podem interferir até mesmo na produtividade, além de causar dor. “Pouco se mede sobre claudicação e garanto que o produtor tem uma percepção aquém da realidade do problema”, acredita a norteamericana.

Foto: Ascom/CFMV

Ela lembra que os projetos que conseguem avançar nas questões de bem-estar são aqueles em que o gestor compactua e defende a ideia. Além disso, para que uma tecnologia possa ser disseminada, enfatiza a importância de se escolher muito bem a fazenda de implantação, para que após testado e com bons resultados, possa ser replicada em escala comercial.

Por fim, dentre as dicas para que o médico veterinário ou zootecnista sejam difusores das ideias do bem-estar animal, aconselha que escrevam muito sobre o tema. “Se conhece um bom trabalho, fale sobre ele nas revistas especializadas direcionadas aos produtores”, enfatiza. “Foi isso que fiz a minha vida inteira”, reconhece, ao lembrar da importância de simplificar o material acadêmico e torna-lo aplicável para a produção.

No evento, Templo Grandin dividiu ainda suas apresentações de recomendações técnicas em três palestras, que trataram do comportamento animal; de praticas do manejo de abate; e do sistema norteamericano de avaliação de bem-estar. Além disso, ministrou aulas práticas para demonstrar suas sugestões, tomou café com estudantes de graduação e atendeu a todos que tinham dúvidas ou apenas queriam uma foto. Com muita generosidade, explicou dicas de manejo em detalhes, mas sua maior contribuição foi a inspiração e ânimo que deixou em cada um dos participantes. Todos os detalhes de suas recomendações técnicas estarão em reportagem na edição 74, da Revista CFMV que circulará em setembro.

Outras abordagens

O evento “Na fazenda com Temple Grandin” contou ainda com apresentações de profissionais que pesquisam o bem-estar animal. Adroaldo Zanella, da Universidade de São Paulo, ressaltou a preocupação da dor nos animais. “É um equívoco assumir que um animal mais jovem sente menos dor”, disse o coordenador do Centro de Estudos Comparativos em Saúde, Sustentabilidade e Bem-estar (CECSBE/USP). Ele apresentou linhas de pesquisa focadas nos períodos pré-natal e neonatal. Também trouxe dados de estudos com caprinos, ovinos e suínos e ressaltou o interesse do grupo por projetos de abatedouros para pequenas espécies. Como forma de divulgação das pesquisas, além das publicações, o CECSBE promove seminários semanais abertos e transmitidos pelo youtube sobre a área.

Mateus Paranhos, do Grupo de Estudos e Pesquisa em Etologia e Ecologia Animal, da Unesp de Jaboticabal, SP, mostrou que além do prejuízo direto para o animal, a falta de bem-estar afeta outros fatores, como o ambiente, a saúde e a produtividade. “É importante que não se perca essa noção do todo”, enfatiza, lembrando que ajustes no manejo refletem positivamente em outros aspectos. Entre seus resultados, Paranhos também apresentou uma alternativa de curral reduzido apenas com o centro de manejo, com piquetes que substituem os currais laterais de espera. Com isso, há uma área maior por animal; sombra, disponibilidade de pasto; e maior expressão de comportamentos naturais.

Foto: Ascom/CFMV

O evento trouxe também a discussão de representantes da Secretaria de Agricultura do Estado de São Paulo e do Ministério da Agricultura sobre o sistema de inspeção de carnes, evidenciando que a preocupação com o bem-estar está diretamente ligada à saúde única.

Por fim, foi apresentada uma proposta de maior integração entre os envolvidos com o tema do bem-estar animal. A expectativa é motivar a maior conectividade e interação, principalmente entre pesquisadores, produtores e sociedade para ampliar as práticas de bem-estar animal no Brasil. “A vinda de Temple para o Brasil tinha por principal objetivo ser um catalisador em benefício do bem-estar animal”, explica Adroaldo Zanella sobre a integração entre grupos de pesquisa, como também com a sociedade civil. “Com a integração queremos ser uma forte referência mundial na área”, finaliza.

Mais informações sobre a campanha do CFMV em www.cfmv.gov.br/bemestaranimal

Assessoria de Comunicação do CFMV

 

 

 

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