Há 108 anos, em 1910, foi criada a primeira Escola de Medicina Veterinária e Agrária do Brasil, no Rio de Janeiro. Duas décadas depois, nos anos 1930, com a crescente demanda agropecuária, veio a forte necessidade de mão de obra qualificada e ganhamos mais seis novos cursos. O boom, no entanto, começou em 1990, quando, segundo o Ministério da Educação (MEC), foram criados 57 novos cursos na área. De lá para cá, esse número disparou e, em 2018, o Brasil tem alarmantes 355 cursos de Medicina Veterinária em atividade e detém cerca da metade do total de cursos do mundo.
Em termos comparativos, segundo a Academia Brasileira de Medicina Veterinária, a Rússia tem 41 cursos; a Índia tem 40; os Estados Unidos, 27; China, 23; Japão,16; Itália, 14; e na França, onde foi criada a primeira escola de Medicina Veterinária do mundo, existem apenas quatro cursos em funcionamento.
Em 2016, o Brasil formou 8.750 novos médicos-veterinários. Mesmo sendo um país líder em produção de proteína animal e o terceiro do mundo na indústria PET (atrás da China e dos Estados Unidos) – áreas que absorvem muitos profissionais –, o número de formados aumenta em proporções muito maiores do que as vagas de emprego ofertadas.
Os recém-formados saem das universidades como grandes generalistas. Logo após a graduação, precisam buscar as especializações e as residências para o aprimoramento profissional. A maioria ainda foca em clínicas de pequenos, produção de bovinos e equideocultura, mas as cadeias econômicas de curta produção, como avicultura de corte, suinocultura, aquicultura, apicultura, sericicultura (bicho-da-seda), cunicultura (coelhos), entre outras, estão em expansão e carecem de mão de obra especializada para atendimento qualificado.
Não apenas a quantidade de cursos e a escassez de mercado preocupam, mas, especialmente, a formação dos profissionais. O CFMV alerta a sociedade que a qualidade do ensino afeta diretamente os serviços veterinários prestados à população. São esses os profissionais que vão, além de atender seus animais, trabalhar em áreas como segurança alimentar, saúde única (animal, humana e ambiental), fabricação de produtos de origem animal, entre outras áreas de atuação relevantes para a sociedade. Por isso, recomenda-se que contratem os serviços de quem frequentou escolas com a devida qualidade de ensino. Mas como reconhecê-los?
Preocupado com a prestação de bons serviços à sociedade, o CFMV lançou a Acreditação de Cursos de Graduação e das Residências em Medicina Veterinária, que visa estabelecer um padrão aceitável para a oferta de cursos de Medicina Veterinária. O selo serve de referência para gestores educacionais, docentes, a sociedade em geral e, sobretudo, para os futuros estudantes que buscam cursos com qualidade comprovada.
O CFMV recomenda que um curso de Medicina Veterinária qualificado deve ser integral, com dedicação exclusiva, presencial e diurno. As famílias dos estudantes que cursam ensino médio e pensam em prestar vestibular para Medicina Veterinária devem visitar as instalações das faculdades, saber se possuem laboratórios necessários e devidamente equipados para as práticas. Apurar se dispõem de fazenda para as aulas práticas da área de produção animal e hospital veterinário, que funcione 24 horas para as práticas clínica, cirúrgica e de necropsia.
Além da estrutura, também é relevante avaliar se existem aulas práticas de anatomia, fisiologia, patologia, doenças infectocontagiosas, semiologia veterinária – importantíssima para fazer anamnese dos animais, seres que não falam para descrever o que sentem –, bem como das demais áreas da profissão, já que o “aprender fazendo” é a forma mais eficaz de treinamento profissional.
Vale observar também se, no projeto pedagógico, há conteúdos que abordem competências humanísticas como gestão, empreendedorismo, comunicação e marketing, liderança, educação permanente e outras.
O corpo docente merece avaliação. Verificar se são profissionais com experiência comprovada na área de ensino, se possuem títulos de especialização, mestrado e doutorado é fundamental.
EAD e curso noturno
O CFMV é contra os cursos a distância, pois essa metodologia impede a realização de aulas práticas essenciais para preparar o bom profissional. Essa é uma preocupação que, inclusive, extrapola nossas fronteiras e foi pauta da última reunião da Associação Panamericana de Ciências Veterinárias (Panvet), que é considerada a principal associação da ciência veterinária das Américas.
Durante o último encontro da Panvet, realizado em novembro, no Chile, o CFMV propôs um documento de “Moção de preocupação em relação ao número de cursos de Medicina Veterinária e de posição contrária aos cursos de Educação a Distância na área de Saúde”, que foi aprovado por todos os representantes dos países presentes.
O Conselho também se opõe aos cursos ministrados apenas no período noturno, o que gera prejuízos na formação profissionalizante de diversas áreas de atuação.
O curso noturno impossibilita inúmeras atividades práticas e de campo que não podem ser exercidas durante a noite, seja por dificuldades operacionais e pela utilização de luz artificial, seja pela impropriedade do manejo das diferentes espécies de animais domésticos no período noturno.
A clínica e a cirurgia veterinárias, assim como a patologia, por exemplo, exigem trabalho intenso, repetido e permanente em demonstrações práticas, cujo atendimento e acompanhamento de animais em clínicas, hospitais veterinários e fazendas ocorrem de maneira constante e, prioritariamente, durante o dia.
O mesmo acontece em matérias da medicina preventiva e de saúde pública, que requer colheita e processamento de material oriundo de propriedades rurais, estabelecimentos industriais e comerciais, bem como centro de controle de zoonoses, que, via de regra, mantém apenas atividades diurnas.
Assim também ocorre com as disciplinas de inspeção de produtos de origem animal e de Zootecnia e produção animal, que demandam a participação efetiva dos estudantes nas indústrias, nas fábricas de rações, nas centrais de inseminação e laboratórios, nas fazendas, nos estabelecimentos comerciais de produtos de origem animal, que também têm seu funcionamento quase que exclusivamente no período diurno.
Avaliação
Outra questão que pesa é a fragilidade do sistema brasileiro de avaliação da educação superior. Recentemente, o Tribunal de Contas da União (TCU), por meio do Acórdão nº 1175/2018, destacou que “a metodologia atual de avaliação não reflete o nível de qualidade/excelência no que concerne aos cursos superiores de graduação”.
Nos países da América do Norte e Europa, todo o processo de avaliação da educação médico-veterinária, assim como das demais áreas, é delegado pelos ministérios da educação aos órgãos de classe, ou seja, aos conselhos profissionais. Infelizmente, essa não é a situação do Brasil.
De maneira semelhante ao que ocorre em países onde a qualidade da educação superior e do exercício profissional são conduzidos com a devida relevância social, o CFMV defende que seja outorgado ao Sistema CFMV/CRMVs a responsabilidade da avaliação dos cursos de Medicina Veterinária do Brasil, com a chancela do Ministério da Educação (MEC), e que o início do exercício profissional esteja condicionado a aprovação em Exame Nacional de Certificação Profissional, a exemplo do Exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) para os bacharéis de Direito.
O CFMV, como órgão que fiscaliza o exercício profissional, defende ser ouvido pelo MEC sobre todo o processo de ensino, uma vez que as políticas e diretrizes de educação refletem diretamente na qualidade do profissional que vai para o mercado de trabalho e será fiscalizado pelo Conselho.
De forma didática, o presidente da Comissão Nacional de Educação da Medicina Veterinária do CFMV, Rafael Mondadori, detalha todo esse panorama do ensino superior no artigo “Educação médico-veterinária brasileira: quantidade x qualidade”, publicado na revista da Universidade de Marília. Leia a íntegra.
Conselho Federal de Medicina Veterinária