Com a sanção da Lei nº 13.680, de 14 de junho de 2018, que traz novidades sobre a comercialização e a fiscalização de produtos alimentícios de origem animal produzidos de forma artesanal, o Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV) criou um grupo de trabalho (GT) para aprofundar a análise jurídica sobre a norma. Dentre as conclusões, o GT entende que a legislação recente não transfere competência de fiscalização e inspeção sanitária de produção dos órgãos de agricultura para a saúde.
A nova lei não altera o ordenamento anterior (Lei nº 1.283, de 18 de dezembro de 1950) sobre as competências de fiscalização. Pelo contrário, ratifica que a comercializaçãode produtos artesanais, assim como os industriais, está submetida à fiscalização dos órgãos de saúde pública, como sempre foi.
Da mesma forma, a lei também não muda a inspeção de fabricação dos produtos de origem animal, sejam eles industriais ou artesanais. A atribuição continua com os órgãos de Defesa Agropecuária (agricultura), seguindo o que determina o artigo 4º da Lei 1.283/1950.
Os órgãos técnicos qualificados do país para controle sanitário, Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) e Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), já se pronunciaram e estão afinados sobre o que compete a cada um em sua área de atuação na fiscalização de alimentos. Mapa e Anvisa entendem que a inspeção de produção, mesmo artesanal, cabe ao órgão de agricultura e não ao de saúde.
Do que trata a nova lei
A novidade da Lei 13.680/2018 é que ela acrescenta o artigo 10-A à legislação anterior, Lei nº 1.283, de 18 de dezembro de 1950, e possibilita que, no caso de comercialização interestadual, a fiscalização de produto registrado seja realizada por qualquer sistema de inspeção de saúde pública, seja ele federal, estadual ou municipal. No entanto, a lei não deixa claro como isso deve ocorrer, item que carece de regulamentação.
Outra inovação é a criação de um selo nacional “ARTE” para a identificação desses produtos, mas a lei não conceitua o que são produtos artesanais, a forma e a escala de produção. Essa janela de indefinição gera risco de migração para artesanal de estabelecimentos já enquadrados em legislação de inspeção sanitária industrial. Mais um tópico que precisa ser regulamentado.
A norma também determina que as ações de inspeção e fiscalização da elaboração dos produtos artesanais, de responsabilidade dos órgãos de agricultura, deverão ter “natureza prioritariamente orientadora”.
Os órgãos de fiscalização, Mapa e Anvisa, entendem que a simples fiscalização orientadora só é aplicável quando a atividade ou situação comportar grau de risco compatível com esse procedimento, algo que também precisa ser especificado objetivamente em regulamento.
Regulamentação
São três atualizações de impacto e que ainda necessitam de regulamentação. O processo será conduzido pelo Mapa, e o CFMV solicitou representatividade no grupo de especialistas que irá debater a regulamentação dos produtos artesanais.
O Conselho reconhece a importância da formalização de mercado dos produtos artesanais na cadeia econômica nacional e na inclusão social. Por isso, a proposta de regulamentação do CFMV observará regras para inclusão das pequenas agroindústrias e pequenos produtores no sistema de qualidade e sanidade, considerando questões relativas a populações específicas, realidades locais e regionais, saberes populares e modos tradicionais de produção, sempre sob a ótica da segurança do alimento, imprescindível à saúde da sociedade brasileira.
O CFMV sabe que é importante desburocratizar, apoiar o micro e pequeno produtor de alimentos, bem como preservar métodos tradicionais e regionais de produção, que compõem um patrimônio cultural nacional. Mas também entende que os requisitos sanitários estabelecidos visam primordialmente proteger a saúde da população. Por isso, alternativas de desburocratização e simplificação da atividade dos pequenos produtores de alimentos artesanais devem ser debatidas no âmbito dos serviços de inspeção dos órgãos públicos de agricultura, os quais possuem legitimidade técnica para regular o tema.
Assim como os produtos industrializados, o Conselho defende que os produtos artesanais devem obrigatoriamente passar por inspeção, seguindo os rigores sanitários das normas existentes e de competência dos órgãos de agricultura, que dispõem de servidores públicos com formação em medicina veterinária para inspecionar e fiscalizar os produtos em toda a sua cadeia de produção, desde a sanidade do rebanho até a expedição dos produtos rotulados ao comércio.
A inspeção é uma questão de segurança alimentar, que evita expor o consumidor a prejuízos econômicos, sociais, e, principalmente, à saúde. Tuberculose, listeriose, salmonelose, brucelose, botulismo, por exemplo, são doenças que podem ser veiculadas por produtos de origem animal contaminados e não processados adequadamente, que não sejam submetidos aos sistemas de inspeção vigentes.
Trabalhos científicos têm demonstrado evidências claras do risco de transmissão de zoonoses, por meio de produtos artesanais feitos a partir de leite cru, caracterizando importante fator no ressurgimento dessa doença em diversos países, com claros riscos de mortalidade.
Por isso, de maneira estratégica, o CFMV participará do processo regulatório para consolidar o médico veterinário como profissional responsável pela inspeção e fiscalização de produtos de origem animal, conforme a Lei 5517/1968, sejam eles artesanais ou industriais.
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Assessoria de Comunicação do CFMV